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General amansado, técnico vira guru ao lapidar novos campeões do UFC

Jorge Corrêa

18/03/2015 06h01


"Espirito de guerra"

Em uma conversa de cerca de 20 minutos, Rafael Cordeiro falou essa expressão ou simplesmente a palavra "guerra" pelo menos uma dúzia de vezes. O problema é que soa estranho se você não conhece seu histórico. Como pode alguém com uma fala tão tranquila ter um discurso tão bélico? Seu passado em uma das mais lendárias academias de MMA do mundo explica isso muito bem.

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Aos 41 anos, o curitibano é o grande responsável pela nova boa fase que o Brasil está passando dentro do UFC, pós-queda de Anderson Silva, Cigano e Renan Barão. Mais que um técnico, ele é o guru de Fabrício Werdum, campeão interino dos pesados, e Rafael dos Anjos, que no último sábado conquistou o cinturão dos pesos leves ao aplicar uma surra em Anthony Pettis.

Rafael Cordeiro participa de treino com Wanderlei Silva, outro de seus pupilos

Rafael Cordeiro participa de treino com Wanderlei Silva, outro de seus pupilos

"Com certeza esse é o melhor momento da minha carreira como treinador. Já treinei muitos campeões mundiais na Chute Boxe, o que me deu muito respaldo para chegar até aqui, mas ter dois cinturões do UFC ao mesmo tempo, com certeza, é nossa maior conquista", disse, já entregando o fio da meada desta história.

Não há como desligar Rafael Cordeiro da academia Chute Boxe, que ainda existe em Curitiba e tem algumas filiais pelo Brasil, mas sem o mesmo brilho do passado. Ele comandou com pulso firme um dos times mais vitoriosos do MMA na época em que o "bicho pegava" de verdade, ou seja, no extinto evento Pride, no início dos anos 2000.

Com uma linha dura que veio de Rudimar Fedrigo, fundador da equipe, Cordeiro foi o general que comandou as maiores vitórias da Chute Boxe em território japonês, principalmente com Wanderlei Silva e Maurício Shogun, mas passando por nomes como Anderson Silva e Murilo Ninja. Rafael nunca escondeu seu pulso [muito] firme nessa época, mas era o que precisava fazer, principalmente nas batalhas contra os arquirrivais da Brazilian Top Team.

"Foi lá onde eu e todos esses caras aprendemos a ter espirito de guerra, de lutar até o final, brigar como time. Todos que passaram por lá aprenderam isso. Por isso que dali saíram vários campeões com uma mentalidade muito forte, de treinar duro e nunca desistir. Esse é o espirito que eu levo e vou levar até o final da vida. E aquilo não era só dentro da academia, era nossa educação", explicou com saudosismo.

Mas as brigas – muitas vezes literais e fora dos ringues – ficaram no passado. A idade amansou o general. A guerra, hoje em dia, está apenas na sua cabeça e ele tenta colocá-la em doses homeopáticas na mente de seus atuais comandados. "Acho que tudo faz parte do tempo que vivemos. O clima da época da Chute Boxe era outro, era uma guerra de verdade no Pride. Mas éramos mais novo, garotos, o clima era pesado. Hoje, o espirito continua o mesmo, mas você vai ficando mais velho, começar a focar em outras coisas, estou um cara mais calmo. Só que tem aquela frase: para a caneta virar espada… (risos)."

Professor meticuloso

Há sete anos, Rafael Cordeiro deixou o Brasil para abrir nos Estados Unidos esse seu atual celeiro de campeões, a academia Kings MMA, em Huntington Beach, na Califórnia. E não por acaso importantes nomes do esporte foram atrás dele. Um dos primeiros foi Fabrício Werdum. E o que aconteceu com o gaúcho – história muito similar com a de Rafael dos Anjos – explica bem o trabalho do treinador.

Ambos chegaram tendo apenas uma base sólida no jiu-jitsu, mesmo muito rodados dentro do próprio UFC. Faltava a trocação e a tática. E foi exatamente o que Cordeiro colocou neles. Especialista em Muay Thai, ele afiou o jogo em pé dos dois de uma maneira que os deixou praticamente imbatíveis (Anthony Pettis que o diga).

"Eu moro nos EUA porque eu fui atrás dele, para treinar com o melhor do mundo", exaltou Fabrício Werdum, em um papo direto da Rússia. "É só ver os lutadores que ele fez. É uma mágica, onde ele bota a mão, sai coisa boa. Ele tem uma visão de luta muito boa, de MMA, de estratégia, além da conexão que nós temos. O método dele é impressionante, em sete anos nunca vi uma aula dele igual a outra. Ele está sempre buscando algo novo e cuida do atleta de perto. Mostrou mais uma vez que é diferenciado."

Cordeiro, inclusive, já começou o trabalho com o campeão interino dos pesados para a disputa da unificação do cinturão em junho, contra Cain Velasquez. "O americano merece nosso respeito, mas isso é antes de a porta do octógono fechar. Nosso segredo é lutar como campeão e é isso que o Fabrício vai fazer. Lá dentro é 50% para cada um, não tem essa de favorito. Além de treinar forte, temos uma mentalidade forte. Werdum está preparado para essa luta faz dois anos e é isso que vamos mostrar."

"Meu trabalho é conhecer o atleta da melhor maneira possível e trabalhar sempre, não só fazer preparação de dois ou três meses. Faço uma preparação não só técnica, como psicológica, crio uma conexão entre técnico e lutadores para conseguir extrair o que já de melhor nele", completou o técnico.

Rafael dos Anjos

O trabalho para o Brasil conquistar seu primeiro cinturão da categoria peso leve no UFC durou pouco mais de dois anos. É o tempo em que Rafael dos Anjos está trabalhando com Rafael Cordeiro. "Ele é um cara que trabalha duro e tem uma enorme responsabilidade. Chegou para treinar conosco ainda na Blackhouse e depois veio comigo para a Kings MMA."

"Foi um prazer porque ele já tinha uma boa experiência e conseguimos colocar nosso jogo, o que agregou muito. Foi uma conexão muito forte. Ele já tinha motivação, só faltava lapidar seu muay thai. Puxei o máximo com ele e deu certo."

"Agora ele vai manter esse cinturão o máximo possível. Cada luta antes dessa foi uma disputa de cinturão, mas a responsabilidade como campeão é muito maior agora. Rafael precisa deixar sua marca, ser lembrado para sempre em uma das categorias mais difíceis do UFC. Ele está em um grande momento e não o vejo saindo dele", seguiu.

Caso Anderson Silva

Não posso deixar de citar uma história muito antiga do técnico, mas que veio à tona apenas em 2012. Rafael Cordeiro foi o responsável por levar Anderson Silva para a Chute Boxe, muito antes de o lutador se tornar astro do UFC. Mas a relação entre os dois nem sempre foi tranquila: em sua autobiografia, o ex-campeão dos meio-pesados admitiu um dia ter tido vontade de matar o treinador.

Na época, Anderson ainda não estava na equipe curitibana e dava aulas de jiu-jitsu em em outra academia. Cordeiro teria chamado o Spider para uma conversa e, após um tapa no rosto, exigido que ele parasse com a atividade por ainda não ser faixa-preta. Em um acesso de nervosismo, falou a um amigo que queria matar o treinador e voltou à academia com essa intenção. Porém, após pegar em uma arma, desistiu da ideia.

Os dois já deixaram essa história no passado, tanto que trabalharam muitas vezes depois disso. Preferem nem comentar mais o caso hoje em dia.

*Colaborou Camila Mamede

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