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Na Grade do MMA

Wanderlei diz que UFC vai acabar com o MMA: "Não respeitam os lutadores"

Jorge Corrêa

25/09/2014 06h56

Quando Wanderlei Silva anunciou sua aposentadoria do MMA no final da última semana, ficou claro que aquele desabafo, principalmente contra o UFC, era apenas a ponta do iceberg. Então decidi ir atrás do Cachorro Louco para tentar entender melhor os motivos de ele ter abandonado uma das mais bem sucedidas carreiras.

Consegui encontrá-lo aqui em São Paulo e pudemos conversar por mais de meia hora. Não é muito, mas já deu para clarear uma série de pontos do agora ex-lutador. É apenas o começo da análise da caixa-preta que ele tem em mãos. O rancor contra o UFC e seus mandatários é óbvio, mas é até engraçado como ele não cita, em momento algum, o evento ou seus mandatários nominalmente. No entanto, deixa claro de quem se trata em suas falas e sua revolta.

Wanderlei não consegue conceber a maneira com que o Ultimate vem tratando seus atletas e fez um alerta: se o maior evento não começar a se preocupar com os lutadores, o MMA vai acabar em breve – pelo menos com a atenção que ele tem hoje em dia. Ele tem um plano para virar esse jogo e, mais que isso, se coloca para liderar um movimento que moralize a relação entre atletas e eventos.

Nesse papo, ele ainda falou sobre seu banimento de lutar nos Estados Unidos, como ele não reconhece o trabalho da Comissão Atlética do Estado de Nevada, como são as negociações com o UFC, os motivos de ter fugido de um exame antidoping surpresa, sua rivalidade com Vitor Belfort e – acreditem vocês – perdoou seu até então desafeto Chael Sonnen.

Quando você decidiu parar de lutar? Qual foi o momento em que você percebeu que não dava mais? Não teve um momento, as coisas foram acontecendo, não foi de agora, foi de algum tempo. Até pouco tempo atrás estava com vontade, me sentido bem, mas começaram a acontecer sucessivos fatos que tiraram minha gana de lutar. O problema é que não tive o suporte do evento e o diretor lá começou a falar bobagem de mim, falar coisas ao meu respeito. Como que vou lutar para esses caras, continuar fazendo o show? Isso me tirou a vontade até de treinar. Essas declarações como as dele e de alguns veículos me tiraram a gana.

Mas essa parada é para sempre? Nos Estados Unidos sabemos que você não pode mais lutar, mas e se daqui algum tempo surgir um evento no Brasil e algum amigo seu te chamar? Hoje, nesse exato momento, eu não voltaria por nada. O físico se cura, se fosse para fazer mais uma luta ou outra, arrumaria uma maneira de ficar bom, mas do jeito que está andando o esporte, não estou vendo como voltar. Os dirigentes não estão cuidando dos atletas. Isso são todas as organizações, elas não dão suporte, não promovem, fora do monopólio as pessoas não conseguem aparecer. Conseguiram ser tão competentes para estabelecer o monopólio, mas não cuidam dos seus empregados. Ou você está ali ou não está em lugar nenhum. Não pode ser assim.

O UFC perdeu muito evento esse ano, muita luta principal. Acha que esse fato é sintoma dessa falta de cuidado? É muita pressão, o cara te dá um tempo e a pressão vai aumentando… Não somos máquinas. Por exemplo, você vai se preparar para uma luta. Eu treino duas vezes por dia, mas tem gente que treina até três ou quatro. O corpo vai se desgastando e você começa a ler notícias falando 'ah, já perdeu duas, se perder a terceira…' Várias vezes entrei para lutar e gente falando que o patrão lá, o mestre dos magos, já tinha dito que ia me mandar embora se perdesse mais uma, que iria me aposentar. Como assim vai me aposentar?! Quem tem de decidir se vai se aposentar é o atleta. Eu decidi me aposentar porque eu quis. Não ia deixar que chegasse um cara desse e falasse que eu não lutaria mais. Não ia me prestar a esse papel, porque eu sei o quanto eu contribui para esse esporte. O mínimo que precisamos é que o cara, quando for nos dirigir, lave a boca para falar de nós. Porque assim não dá.

Qual é sua opinião sobre o trabalho do Dana White? Para onde ele vai levar o UFC? Quero deixar bem claro que a minha posição não é contra essa pessoa ou contra esse evento, não estou contra ninguém, estou a favor do esporte, dos atletas. Se não começarmos a cuidar dos atletas agora, esse esporte vai acabar. Isso porque tivemos uma ascensão meteórica, teve a minha fase, a fase do Minotauro, teve a fase do Anderson, glorioso, criou-se o ídolo. Você via clássicos, você via lutas que paravam a cidade. Hoje em dia vocês veem isso acontecer? Vocês chamam seus amigos para ver? Fazem um churrasco? Não! Eu não faço isso. Porque as lutas têm pessoas que eu nunca vi. Os eventos não estão investindo na promoção dos atletas. Tem de fazer a divulgação do lutador, tem de fazer o vídeo, contar a história. Nem isso está sendo feito. Vou te falar que tem luta principal que os caras ganham uma miséria. Dá até vergonha. Como você vai querer criar estrelas, criar ídolos sem cuidar dos caras?

E você tem alguma ideia de como resolver esse problema? O maior exemplo disso foi o basquete americano. Era tocado como o MMA, aí criou-se uma coalizão dos atletas, pressionou-se os dirigentes. Num primeiro momento tiveram de pagar um pouco a mais para os atletas, tinha de se pagar um piso mínimo. Com isso, os jogadores começaram a ganhar mais. Ganhando mais, o cara consegue comer melhor, se vestir melhor, consegue ter um carro bom, consegue cuidar da mãe dele e não ficar se preocupando, contrata treinador, compra suplemento. Tranquilo, ele pode ser profissional. Não dá para ser profissional ganhando como amador. Não é colocar o cara na televisão e achar que isso está bom. Damos entrevista como artista, damos autógrafo como artista, mas não recebemos como artista.

Então no fundo a grande questão é o dinheiro? E não é só o lado financeiro, o que mais me deixou chateado é como estão se referindo aos atletas. Manda o cara embora, escorraça o cara. Isso não se faz. O maior caso disso foi o Barão. Quando estavam promovendo a luta, ele era o maior peso por peso do mundo. Perdeu o cinturão, foi fazer outra luta, o corpo dele não aguentou. A luta foi casada na maior irresponsabilidade, em tempo curto. Por que? Porque eles não têm clássicos, não tem luta principal. Coloca o Barão! Agora, caiu a luta do Weidman com o Belfort, chamaram o Lawler contra o Hendricks, que acabaram de lutar também. Não tem quem colocar. E se eles não baterem o peso, o corpo acusar? Chama quem? E se um cara desse morre? Quem vai cuidar da família dele? Se não estão cuidando agora que o cara está vivo! Está faltando bom senso no mundo da luta.

Você acha que tudo isso faz diminuir o interesse pelo MMA? O que está acontecendo: não tem mais clássico, não tem mais luta emocionante, está se perdendo o interesse, o público não quer mais assistir ao UFC. As lutas estão chatas. Tem uma luta ou outra boa, mas não tem aquele clássico que para o povo. Pessoal não dá mais bola porque ninguém conhece. Se não houver uma atenção agora dos dirigentes com esses lutadores, tudo vai acabar. Já está em um declínio muito grande, é só ver como os números de pay-per-view estão caindo, mesmo quando o evento é de graça, audiência está caindo. Nem de graça estão vendo! Daqui a pouco, os ginásios vão esvaziar. É só esperar.

Você pensa em liderar os lutadores em algum tipo de movimento para reverter essa situação? Se eu for escolhido pela classe, faria com o maior prazer. Acho que precisamos de alguém, que tenha atitude e moral. O problema é que quando você quer defender uma classe, as pessoas te julgam como se você quisesse tirar alguma vantagem com isso. Mas quero deixar uma coisa clara: conhecido eu já sou, famoso eu já sou, até demais, não consigo andar na rua, dinheiro para viver o resto da minha vida eu já tenho também. Se o motivo não fosse realmente o de dar mais dignidade para os atletas, eu não estaria aqui dando a cara a tapa. Se não fizer isso, esse esporte vai acabar. E esse é o esporte que eu amo. Não posso chegar agora no final de tudo e ver o esporte acabar, ver os atletas serem tratados dessa maneira, ver um campeão mundial como era o Barão, com 32 lutas invicto, tirando foto com o cinturão em um beliche de madeira com um colchãozinho de espuma. Que dignidade é essa? O cara tem 32 lutas invicto e não conseguiu fazer o pé de meia, vai fazer quando?! Não tem mais ninguém ganhando dinheiro com isso! Me fala cinco caras que você pode cravar que estão bem? Anderson, GSP, Jon Jones talvez. Só isso! Estamos falando do principal evento, imagine nos outros.

Como são as negociações entre o UFC e seus lutadores? O evento coage os atletas de alguma forma? Eu não tenho empresário. Para que vou querer um cara para só assinar, não fazer nada e ainda ganhar uma porcentagem? Então eu mesmo negociava minhas lutas. Mas a negociação são dois contra um. Os dois maiores. Então você entra na sala já meio coagido. São os caras que você respeita, são os patrões – agora meus antigos patrões. Como foi na minha última luta: o reality acabaria no final de maio e disse que não lutaria, porque não estaria pronto nessa época. Eu falei na cara deles que não podia. Passou uma semana e disse que talvez poderia lutar no final do ano. Ficaram meio assim, mas não estaria pronto antes. Passou um tempo, me chamaram de novo e falaram 31 de maio de novo. Me ofereceram um valor de 7 dígitos. Uma quantia muito boa. Falei que não pegaria o dinheiro porque não estaria pronto naquela data. Seria fácil para mim, poderia ficar 10s no ringue, vencendo ou perdendo, já teria aquele dinheiro. Me falaram: 'Você sabe quanto tempo demoraria para você juntar esse dinheiro?' Respondi: 'Sei muito bem e esse dinheiro não vai mudar nada para mim e nem para você'. Eles pensaram: 'Achamos alguém que não conseguimos comprar'. Expliquei que não entraria para não fazer exatamente o que eu sempre fiz. Não tenho preço. Então mudaram para julho e teve toda outra negociação.

Lá dentro da sala é Dana White, Lorenzo Fertitta e Joe Silva? Ali não posso citar nome. São os patrões lá dentro. Eles fazem o esquema policial bom e policial mau. É aquela história de 'por mim tudo bem, mas por ele sabe como é…'

Hoje você se arrepende de ter fugido do teste antidoping surpresa que culminou com essa série de problemas e, até mesmo, sua aposentadoria? Tudo isso é muito nebuloso, eles têm a lei deles, que eles mesmos fizeram e eles mesmos estão descumprido. Ninguém sabe quem eles são, quem é o presidente, que caras eles têm, não aparece em lugar nenhum, só aparece para ferrar os atletas, mas logo logo vamos saber. Vamos pedir para colocar as cartas na mesa, colocar a cara lá, para vermos quem são as pessoas.

Os lutadores vão se organizar de alguma maneira para pedir para que essas pessoas da Comissão Atlética do Estado de Nevada apareçam? Acho que é do interesse de todo mundo. Porque se você quer julgar alguém, precisamos saber quem você é, de onde veio, quem te colocou lá. Ninguém sabe de onde vieram essas pessoas, se eles trabalham para alguém. Eu não sei quem são esses caras e eles querem me julgar? Quem deu todo esse poder para eles?

Em outra situação, você teria feito o teste? Naquele momento eu não poderia fazer, por conta das lesões que eu tive, estava tomando medicamentos fortes, comecei a inchar e por isso também tomava diuréticos, que é tido como máscara para outras substâncias que eu não estava tomando. Fiz até depois o exame de testosterona e estava bem abaixo do normal. Tem antiinflamatórios que aparecem no antidoping, mas não são doping. É medicamento para o cara treinar. Mas ninguém quer saber disso. Eu sabia disso, sabia que não passaria no exame, então resolvi não fazer.

Mas você chegou a usar alguma substância proibida em algum momento de sua carreira? Você já utilizou doping? No dia da luta eu estaria limpo, eu sempre lutei limpo, nunca testei positivo para nada, sempre tive uma carreira limpa. Ao contrário de muita gente que vai disputar cinturão aí e já caiu várias vezes no doping, caiu em fevereiro e iria lutar pelo título em dezembro. Outro cara testou a mesma coisa e pegou dois anos. Que lei é essa? De onde vem esse interesse? Qual é o interesse das pessoas que julgam?

Então você acha que o Vitor Belfort não deveria disputar o cinturão por causa do histórico dele com doping? Quem sou eu para falar? Não sou eu que decido. Mas tem de ver o histórico das pessoas que decidiram e porque elas decidiram isso.

Você sente falta do Pride, de suas lutas no Japão? Acho que os eventos de agora são bons, me sentia em casa, mas é duro quando o dirigente quer aparecer mais que o atleta. Quem tem de aparecer são os atletas. Agora ficar sentado apontando quem é bom, quem é ruim, quem vai esculachar. No Japão isso não acontecia. Lá éramos tratados com respeito, respeito marcial. Os fãs são os mesmo no mundo inteiro, mas foi o tratamento dos dirigentes que me tirou a gana de lutar.

É verdade a história que no Pride tinha no contrato que eles não fariam exame antidoping? Você conhecia alguém que fazia uso do doping no evento? De maneira nenhuma isso é verdade. Todas as lutas lá eu fiz xixi no copinho antes e depois. Não sei os outros, mas eu sempre fiz testes lá. Essa história de que no Pride não tinha antidoping é tudo mentira. Desde o primeiro até o último evento que lutei lá eu fui testado.

Como está sua relação com Chael Sonnen? Vocês se encontraram depois de todos os problemas no TUF Brasil? Ele até te elogiou, disse que você deveria estar no Hall da Fama… Essa história do Hall da Fama já falei e falo de novo: não quero! Não aceito e se me chamarem eu não vou aceitar. Não quero mais nada dessa organização. Do jeito que esses caras estão tratando os esportistas não quer mais nada. Não me chamem, porque eu não vou. Hall da Fama são os fãs que dão, não é a plaquinha. Não quero mais meu nome relacionado ao UFC.

Então você perdoou o Sonnen por tudo que aconteceu antes e durante o programa? Sobre o Sonnen, muita hombridade por parte dele. Tivemos as nossas desavenças, acho que ele foi punido de uma maneira extrema, até demais. Ele tem seu lado controverso, eu não gostava do estilo dele de vender as lutas, assim como muita gente não gostava do meu por ser muito sincero. Cada um tem seu público. Mas uma coisa que eu não aceito e injustiça. Ele foi cassado por dois anos no mesmo julgamento que o outro foi liberado para disputar o cinturão. Depois demitiram da televisão, onde ele fazia um ótimo trabalho. Ótimo mesmo. A mesmo organização que colocou ele lá agora tira o trabalho dele na luta e na televisão. Depois, ele foi disputar um campeonato de jiu-jítsu e queriam multar o cara. Vocês vão pagar o aluguel dele, o financiamento do carro, a comida da família? Ninguém vai pagar nada. Eles querem mostrar força oprimindo o lutador e indo acima da lei, uma lei que não existe.

Você se arrepende da briga com ele no TUF Brasil? Aquilo aconteceu. Somo adultos, repreendemos qualquer tipo de briga ou ato violento fora do ringue, mas houve um erro da produção, que viu que o clima estava esquentando e não fez nada para separar. Deixaram a câmera ligada para ver o circo pegar fogo. Com isso e uma edição tendenciosa, eles acabaram ganhando a audiência deles e enganaram o povo. Aquilo foi uma cama de gato que foi feita para mim. Mas quem ficou contra já voltou para meu lado porque viu que foi uma armação e culpa da direção do programa.

O que você vai fazer agora? É isso que vou fazer agora. Não sei o que vou fazer agora, se vai ter uma associação, mas eu sei o que acontece, estou vendo o que acontece. E eu não tenho medo de ninguém. Estou aqui para botar a cara para bater. Nunca fugi de luta e não vai ser agora que vou fazer isso.

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