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Na Grade do MMA

Como é a nova (e às vezes embaraçosa) vida dos lutadores com o antidoping

Maurício Dehò

27/11/2015 06h01

O vale-tudo e o MMA sempre viveram sob a sombra do doping, com lutadores cada vez mais fortes, ágeis e potentes protagonizando os maiores eventos mundo afora. O UFC não escapou disso, especialmente nos últimos anos, quando permitia o uso do TRT (tratamento de reposição de testosterona), mas, desde 1 de julho, a maior organização da atualidade entregou as responsabilidades deste assunto à Usada, agência antidoping dos EUA, e passou a aplicar uma nova política para coibir o uso de substâncias ilícitas.

O comando foi passado a uma agência independente e, é claro, as maiores novidades foram sentidas pelos lutadores. Os pilares deste novo procedimento são, basicamente: o aumento dos antes quase inexistentes testes surpresa, feitos fora das semanas de luta – quando já aconteciam testes regularmente -, a atualização periódica do paradeiro dos atletas, para que eles sempre possam ser abordados pelos responsáveis por colhimentos de amostras, e a implicação de penas mais rigorosas. Assim, os competidores e até seus familiares e colegas de treino têm de se adaptar às mudanças.

Passar pelos colhimentos de amostras e demais procedimentos nunca foi algo prazeroso, qualquer seja o esporte, mas agora os lutadores veem na vida privada um controle maior dos seus passos e não há como escapar de certos constrangimentos – ainda que não seja possível reclamar, já que esta nova fase do UFC surge como uma necessidade, uma obrigação de se transformar o MMA num esporte mais limpo.

O meio-pesado Glover Teixeira, por exemplo, relata a forma um tanto rude com que os lutadores são abordados, o que é um pouco mais tenso quando o ambiente é a casa ou academia do testado.

"É claro que é chato ser testado a qualquer hora. Às vezes é constrangedora a forma como eles abordam, dando ordem, falando o que tem que fazer. Mas, faz parte, sei que isso tudo é um bem para o esporte e apoio todo esse movimento", disse o mineiro.

Glover e Maldonado aprovam as medidas mais rígidas, sem deixar de estranhar um pouco o tratamento dos agentes

Para poder focar nos treinos e não se preocupar com burocracias, Glover ainda "terceirizou" parte das suas obrigações. É sua mulher quem completa as informações sobre sua localização, no site e no aplicativo da Usada. Os lutadores não detalham passo a passo sua rotina, mas precisam informar viagens grandes e os principais locais onde se encontrarão.

O desbocado Fabio Maldonado, também meio-pesado, teve o mesmo tipo de experiência que Glover ao cplher amostras. "Eu cheguei na academia, um dia lá, e do nada um malucão estava me esperando. Eu pensei que era um aluno. E o cara 'Aê, Maldonado!' E pá… E quer ver… [risos] Quer ver você mijando ali, pra ver se é você mesmo que tá mijando", disse o bem humorado lutador. "Mas está tranquilo, (antidoping) nunca foi problema."

Um dado curioso dado por Glover Teixeira é que ele foi testado para a sua última luta menos vezes do que para o duelo que fez com Jon Jones. Na luta pelo cinturão, foram sete testes. Até encarar Patrick Cummins em São Paulo, no começo do mês, foram quatro, de acordo com o site da Usada. O número mostra que quantidade não é necessariamente o mais importante, mas sim o momento certo de se realizar testes.

A Usada hoje lista e atualiza periodicamente a quantidade de exames feitos pelos lutadores, ainda que não os detalhe ao público, a menos que a amostra tenha resultados positivos. No "ranking", que não contém as abordagens deste mês de novembro, os líderes são Ronda Rousey e Dan Henderson, com sete. Vitor Belfort aparece com seis. O total desde julho é de 117 atletas abordados e 222 testes feitos. A promessa, ainda não atingida, é de que todos da franquia serão testados durante o ano, mais de uma vez.

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José Aldo tem provado no Instagram que vem sendo testado de surpresa no Rio

José Aldo e Conor McGregor, que vira e mexe se acusam de trapaças, aparecem com quatro abordagens cada um. O campeão dos penas segue no ataque contra o irlandês. "Todo dia tem um cara me testando, mas ele não está sendo testado na Irlanda. Não sei nem se existe comissão lá. Isso foi proposto, já que ele pediu tanto: seríamos testados toda semana e no mesmo horário. Sou testado direto na academia. Mas pouco me importa se ele está tomando alguma coisa ilegal. Vou bater nele do mesmo jeito, como sempre bati em todo mundo".

O manauara, campeã dos penas, enfrentou uma das situações mais estranhas relacionadas à nova política. Um profissional vindo dos Estados Unidos chegou à sua academia no Rio para o colhimento de amostras, mas estava sem a documentação necessária para executar o serviço – o que só foi percebido depois de Aldo já ter urinado no copinho.

O caso veio a público e mostrou um pouco de o quanto este momento é delicado e tenso para quem chega para colher testes e para os lutadores. Aldo acabou descartando as amostras e colhendo novas alguns dias depois.

A percepção de que as coisas estão mais rígidas foi sentida facilmente pelos lutadores. Júnior Cigano, ex-campeão dos pesos pesados, tem treinado nos Estados Unidos, na American Top Team, equipe de grandes nomes. E os agentes "batem ponto" por lá.

"Eu percebo que a USADA está pegando em cima, está mais próxima dos atletas, fazendo mais testes. Na ATT, quase toda semana o cara está lá. Isso tem tudo para ser muito positivo. A gente estava vendo algumas performances que não eram verdadeiras: caras que nunca cansam, caras muito fortes", analisou o catarinense.

Cigano viu uma de suas lutas caírem por um teste surpresa quando isso não era comum. Aconteceu em 2012. O alvo foi Alistair Overeem, possivelmente pego num ciclo de uso de substâncias ilícitas que seria encerrado antes da data da luta com o brasileiro, deixando-o limpo para os testes na semana de combate.

"Eu lembro que quando o Overeem falhou no teste, ele estava 14 vezes acima do nível normal de testosterona de um homem. Eu queria saber o que significava isso. Me disseram: 'pega um cara forte, como você, ele está cerca de 35% mais forte e mais resistente que você, ele vai sentir muito menos os golpes do que você sente'. Por isso eu sou totalmente a favor da política feita com a Usada. Espero que continuem firme no propósito de evitar qualquer substância ilegal."

Vitor Belfort, com 6 testes, e Dan Henderson, com 7, estão entre os mais visados pelo antidoping

Para quem viveu outra realidade do antidoping a diferença também foi notada. Dan Henderson foi um atleta de nível olímpico no wrestling e diz que pedia há anos uma nova política – ainda que tenha sido um dos beneficiados pelo TRT.

"Tem sido ótimo, é algo que eu vinha pedindo há anos, a realização de testes sem que o atleta esteja sabendo. Eu percebi uma mudança boa, um aumento do número de vezes, fui testado quatro vezes de surpresa para esta luta. Então, é isso algo que eu queria há pelo menos cinco anos e que precisa ser feito para limpar o esporte e tirar os lutadores do caminho das substâncias que melhoram a performance. Eu vim de um esporte olímpico e por uns dez a 15 anos eu vivi essa rotina. Aí cheguei no MMA sem exames, ou com exames que os caras sabiam quando rolaria. Não ajudava", opinou ele, que perdeu para Vitor Belfort em São Paulo, na terceira luta com o brasileiro.

Vitor Belfort, que há anos é mais testado que os outros por conta de suas polêmicas com o uso do TRT, falou pouco, mas enalteceu o processo. "Importante é ter esse controle da Usada, que é algo que a Comissão Atlética de Nevada fazia, mas que agora fica nas mãos de uma agência maior. Foi um passo importante no processo, já venho lidando com isso de antes. Para ser justo, tem que ser feito com todos."

Os números de julho a novembro ainda são abaixo do prometido pelo UFC, mas a expectativa é de que o cerco se feche cada vez mais e que todos que atuam pela organização sejam controlados. É o mínimo que se pode fazer num esporte em que vidas estão em jogo.

NÚMEROS – Os mais testados do semestre:

Ronda Rousey – 7
Dan Henderson – 7
Vitor Belfort – 6
José Aldo – 4
Conor McGregor – 4
Bethe Correia – 4
Glover Teixeira – 4
Thiago Alves -4
Todd Duffee – 4
Josh Samman – 4
*Demais lutadores com três ou menos, totalizando 117 lutadores e 222 exames

**Colaboraram Brunno Carvalho e Camila Mamede

Sobre o blog

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