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Na Grade do MMA

Como a volta de Royce Gracie pode consolidar uma tendência polêmica no MMA

Maurício Dehò

19/02/2016 06h01

RELEMBRE O EMPATE ENTRE ROYCE E KEN, EM 1995

UOL Esporte

Um lutador de jiu-jítsu. Um de wrestling. O peso é livre. Royce Gracie representando o Brasil contra Ken Shamrock defendendo os Estados Unidos. Parece que pegamos uma máquina do tempo e voltamos para os anos 1990. Mas, não é isso. Nesta sexta-feira, estes dois veteranos (para ser bonzinho) do vale-tudo se encontram pela terceira vez. Quem promove a polêmica luta, que somando as idades resulta em 101 anos (Royce tem 49, Ken tem 52), é o Bellator. E, dependendo do resultado, podemos ter a consolidação desta tendência de termos quase que uma categoria "master" em disputa no MMA…

Não é de hoje que o Bellator tem pegado pesado no casamento de algumas lutas. Sem pudor, o presidente Scott Coker tem dado, segundo suas palavras, o que o público pede. Para ele, os fãs de MMA e o restante do público que pode ser atraído a assistir às lutas quer combates com um histórico, com algum drama que os faça se sentar para assistir a um evento.

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E o Bellator tem conseguido resultados expressivos desta maneira. Veiculado em um canal pago – mas não em PPV, o que seria mais caro -, a companhia teve com Tito Ortiz x Stephan Bonnar, num duelo de ex-UFCs, picos de 2 milhões de expectadores. Ken Shamrock enfrentou o "street fighter" Kimbo Slice em 2015 e o ápice foi de 2,9 milhões de pessoas sintonizadas.

O que ninguém imaginava era que o Bellator tiraria da aposentadoria Royce Gracie, que fez seu último combate em DOIS MIL E SETE. Mas, aqui estamos, e a luta realmente vai rolar.

GRACIE X SHAMROCK 2: Luta mais longa do UFC foi o começo do fim do vale-tudo

Segundo o próprio Coker, as coisas foram se desenhando quase que naturalmente desta maneira. Em um evento de 2014 em que os rivais se trombaram, Shamrock pediu para enfrentar Royce. O dirigente respondeu – segundo contou à ESPN dos EUA: "Eu falei: 'poxa, cara, você ainda não deixou isso para trás?'. Certamente as derrotas para Royce vem o consumindo nos últimos 20 anos". Coker, a princípio não parecia acreditar na luta. Mas, com o sucesso de outros duelos de veteranos e com a necessidade que o Bellator tem de dar números de audiência, as coisas se encaixaram.

Para se compreender melhor, Bellator e UFC diferem nas suas receitas. O UFC ganha no pay per view, não precisa necessariamente de anunciantes. Logo, se seu evento é bom, as lutas são atrativas, os fãs compram os pacotes. Já o Bellator tem como dona a Viacom, uma empresa de TV. Redes de televisão vivem do quê? De anunciantes. E os anunciantes só chegam se o programa der audiência. Logo, quanto mais barulho uma noitada do Bellator tiver, mais ele vai atrair fãs (seja das antigas ou novos que ouçam esse barulho). E isso justifica as lutas de "masters" e alguns casamentos de combates que mais parecem freak shows.

Outro exemplo deste freak show está em outra luta deste evento. Kimbo Slice, que venceu Ken Shamrock em junho, enfrenta Dhafir Harris, o Dada 5000, também conhecido por suas brigas de fundo de quintal, mas só com duas lutas oficiais de MMA, sendo a última em 2011.

Mas, voltando a Gracie x Shamrock, o sucesso deste tipo de combate está totalmente ligado aos riscos de ele ser um total fracasso. Kimbo x Shamrock não foi bonito de se ver, mas teve reviravolta no resultado e gerou muito burburinho. Porém, se estes duelos entre veteranos forem mornos, parecerem minimamente encenados ou acabarem com alguém se machucando seriamente, o fracasso estará à porta.

A ESPN americana, em uma matéria sobre isso, chama esta tendência de lutas polêmicas de um "prazer com culpa". Não poderiam ter definido melhor. Afinal, qual fã saudoso não quer ver aqueles ídolos de outrora dentro de um ringue ou cage? O mesmo tipo de investimento foi feito pelo Rizin FC, chamado de novo Pride por ter os mesmos organizadores da famosa liga japonesa, que teve a volta de Fedor Emelianenko ao MMA no fim de 2015.

Para Coker, fica claro que o MMA não é só esporte, também deve ser encarado como entretenimento. "No fim, é sobre quem as pessoas querem ver. Ter sempre nº 1 contra nº 2 às vezes pode ser chato, às vezes naão há apelo para além dos fãs mais fervorosos. A Spike TV é uma empresa de entretenimento, então faremos lutas pelo entretenimento", afirma o ex-presidente do Strikeforce, que assumiu o Bellator em 2014.

Ele diz que se espelha na audiência de 54 milhões de japoneses, que assistiram a Bob Sapp contra o lutador de sumô Akebono em 2003. "Nunca vou esquecer o que o promotor Kazuyoshi Ishii me falou: 'eu preciso dos vovôs e das vovós, dos tios e tias e pessoas que vão conversar sobre isso no escritório'. Aquilo me atingiu, é essa audiência mista que dá os números do sucesso. É simples, se você parar para pensar: você precisa de grandes audiências e de colocar as bundas das pessoas na cadeira. É assim que o sucesso do Bellator é medido".

Um pouco direto e verdadeiro demais para o que estamos acostumados, mas não deixa de ser verdade. A questão é: vale essa diversão sem culpa, ou a apelação é exagerada? Até vermos o resultado de sábado, a resposta vai de cada um… Por enquanto, as lutas "masters" seguem como uma tendência que parece vir para ficar, ainda que longe do UFC.

Sobre o blog

Saiba o que acontece dentro e fora do octógono, relembre as grandes histórias e lutas que fizeram o vale-tudo se tornar o MMA. Aqui também será o espaço para entrevistas, análises, debates, polêmicas e tudo que faz do MMA o esporte que mais cresce no mundo.
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