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Após chute de cinema, gari conta de onde vem golpe e promete mais 'truques'

Jorge Corrêa

01/12/2015 06h01

Qual o segredo de um chute digno de cinema, como o dado por Jorginho Filho no Jungle Fight 83, no último fim de semana? Para este carioca da favela do Acari, que quando não está treinando ou dando aulas está correndo atrás de um caminhão de lixo no emprego como gari, são três: muito treino – e isso quer dizer mais de duas décadas nas artes marciais -, um repertório amplo de sua luta original, o taekwondo, e uma boa dose de alegria.

Ao bater um papo com Jorginho depois de sua vitória contra Dennys "A Máquina", é este último item que mais aparece, num misto de orgulho e felicidade pelo que vem vivendo após o golpe avassalador, com o reconhecimento de amigos, colegas garis e alunos que tem na comunidade em que cresceu e onde passa boa parte do seu tempo.

No Jungle Fight de sábado, ele aplicou seu chute rodado perfeitamente – alguns diriam que à la Van Damme -, com o calcanhar atingindo a cabeça de Dennys. O impacto foi tanto, que ele saiu andando, sabendo que o rival não voltaria à luta. A alegria de lutar, acredita ele, foi um fator fundamental.

"Eu, ali no meio da luta, me sinto realizado, não entro com preocupação de ganhar. Eu gosto de ir para a luta e ser feliz. Não entro apavorado, nada disso. Eu gosto do show, de olhar as luzes, olhar a galera. Penso em tudo isso e só quero ser feliz. Antes eu entrava preocupado nas lutas e não ia bem, ficava com esse peso nas costas, e não saia o que eu precisava soltar. Agora, saiu", conta o meio-médio, que quer como próxima cena alegre de sua vida conquistar o cinturão do Jungle e dar para sua filha brincar.

Da onde veio o chute? (E há mais por vir)

Falando da parte esportiva da coisa, a origem do chute de Jorginho é o taekwondo, ainda que muitas outras artes marciais tenham golpes semelhantes e possam reivindicá-lo. O lutador de 32 anos é faixa-preta da modalidade há mais de 15 anos e treina desde os oito.

Milclei Mattos, seu pai de consideração, foi o primeiro mestre de Jorginho e desde cedo ele aprendeu as técnicas do taekwondo, incluindo este chute – que ele chama de mandolio tuit chagui (a grafia varia, por ser traduzida do coreano).

"Treino esse tipo de golpe desde os oito anos. Já tinha dado esse golpe e treinei muito antes dessa luta. Nunca tinha conseguido aplicar numa luta de MMA, mas já aconteceu no taekwondo", explica ele, que tem 5 vitórias e uma derrota e passou pelo Jungle Comunidade, o braço social da organização comandada pelo ex-lutador Wallid Ismail.

E não ache que Jorginho acabou por aí.

"Tenho mais coisas na cartola ainda. Tem quem ache que conhece meu jogo, mas só quem me conhece é quem treina comigo no dia a dia. Eu ainda tenho muitas coisas do taekwondo para aplicar no MMA, que deixam o jogo imprevisível. Então, podem esperar."

Piscou, tomou

Às vezes os lutadores propagandeiam suas lutas dizendo que, se o espectador piscar, pode perder o desfecho. Jorginho deu detalhes de como decidiu pelo chute rodado, e falou que foi exatamente este o caso.

"Uma hora ele me agarrou, fez muita força, e eu não quis brigar de força com ele. Queria fazer o que gosto de fazer, lutar a luta. Eu sabia que tinha qualidade e tinha de ser o que sempre fui no meu esporte: imprevisível. Ele deu uma piscada e, no momento que ele fez, eu dei a girada e deu certo", descreveu ele, que treina com a equipe de Pedro Rizzo e a de Laerte Barcellos.

Jorginho já sabia que nem precisaria ir para cima do rival, que o serviço estava finalizado. "Quando bateu o calcanhar na cabeça dele, doeu, então, eu nem olhei para trás. Sei que quando pega desse jeito o cara não vai voltar."

Festa dos garis, festa na comunidade

Jorginho pôde curtir logo depois da vitória o carinho dos seus chegados, tanto na comunidade de Acari quanto com os companheiros garis da Rocinha, onde trabalha seis dias por semana, das 16h à meia-noite.

O carioca hoje tem uma casa no Realengo, onde fica com a mulher e a filha de 8 meses (tem também um filho de 14), mas está sempre na favela, onde tem um projeto e dá aulas. "Sou da comunidade até hoje. Graças a Deus não me envolvi com nada, minha vida sempre foi treinar taekwondo e trabalhar porque Deus colocou esse cara (Milclei, seu mestre) na minha vida".

Em Acari, ele viveu dificuldades, morando muito modestamente. O lar dele, da mãe e três irmãos vivia alagando, a ponto de deixar a família quase sem fotos da infância. Hoje, as coisas melhoraram, mas ele tenta retribuir por meio da luta. Jorginho sempre trabalhou para poder treinar. No começo, tinha ajuda de custo de Milclei. Depois, teve diversos trabalhos, de motoboy a entregador de pizza, de chaveiro a entregador de pão. Há dois anos, virou gari.

"Tenho o maior orgulho, meus amigos garis me ajudam muito. Quando estou treinando muito, na fase de dieta para bater peso, eles sempre me dão força. A luta é minha alegria, o que amo fazer, mas, infelizmente, não dá ainda para viver dela. Mas não reclamo de trabalhar, não".

Além de disputar o cinturão do Jungle Fight, o que o presidente da organização, Wallid Ismail, já garantiu ao blog que Jorginho fará no começo de 2016, o carioca sonha em mais à frente chegar ao UFC. Ele sabe que a carreira de lutador é curta, então, com um sorriso no rosto, ele só quer fazer o que gosta. "Luto com qualquer um, não quero saber de nada. Primeira etapa, que era lutar no Jungle, eu conclui. Agora falta a outra. Se falarem 'vem', eu vou…".

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