UFC precisa combater a cultura do bullying. Mas isso não deve acontecer
UOL Esporte
09/10/2018 04h00
Seguranças e policiais tiveram dificuldade para conter a briga generalizada no UFC 229 (Crédito: Reprodução)
Por Rodrigo Garcia
O duelo entre Khabib Nurmagomedov e Conor McGregor, que definiu o campeão peso leve do UFC, continua dando mais o que falar por conta da briga generalizada que ocorreu na T-Mobile Arena, após o fim do duelo, do que pelo que aconteceu durante os quatro rounds em si.
Contudo, a excelente performance de Khabib quase foi deixada de lado após as cenas lamentáveis que ocorreram em Las Vegas, que me lembraram aquelas que estamos acostumados a ver nos campos de futebol pelo Brasil.
Assim como abordado pelo colega Jorge Corrêa em seu post da última segunda-feira (08), a parcela de culpa do UFC neste episódio não pode ser minimizada. Só que, ao que tudo indica, o evento não mudará sua postura diante desta crise em sua imagem.
Ao invés de focar seus esforços no enorme potencial que existia no duelo, a organização adotou outra estratégia. Além do já conhecido "trash-talking" do irlandês, que atacou a religião, a nacionalidade e até mesmo o pai de Khabib, o UFC usou o vídeo do ataque de McGregor ao ônibus. Ou seja: foram usadas imagens de um crime, uma vez que o próprio irlandês admitiu culpa no episódio e cumpre pena determinada pela Justiça norte-americana, para aumentar o interesse do público no confronto.
Dana, quando questionado em entrevista à ESPN norte-americana sobre a questão, minimizou a relação entre os fatos: "O jeito que nós promovemos essa luta é exatamente a forma que as coisas se desenrolaram. Tudo isso faz parte da história (até este duelo)."
O episódio do ônibus também foi citado durante a coletiva de imprensa realizada após o UFC 229. Questionado se uma punição a McGregor teria amenizado o incômodo de Khabib e diminuído o clima tenso que estava se desenrolando para esse confronto, Dana preferiu se esquivar a, mais uma vez, bater de frente com seu atleta mais rentável.
"Nós não demos (nenhuma punição), então não sei (dizer se seria diferente), mas eu diria que não. Se a gente o suspendesse, isso não teria mudado o ódio entre essas equipes. Eles não dão a mínima pra isso, é muito maior que isso. Isso é briga de rua, não é o esporte, é completamente diferente. Isso talvez os irritasse mais, o Khabib queria lutar o mais rápido possível. Suspender o Conor poderia piorar isso."
Ainda dentro deste contexto, Dana também mostra que não pretende mudar a forma que os lutadores têm utilizado para promover seus duelos. Para isso, ele usa como argumento o passado para defender que o episódio da madrugada de domingo (07) foi algo "casual".
"Esta não é a primeira vez que dirão coisas ruins neste esporte. Nós não vamos dizer para ninguém o que eles podem ou não podem dizer. É como o esporte funciona. As pessoas dizem coisas absurdas no UFC há 18 anos e isso nunca aconteceu", argumentou o executivo ainda na madrugada de domingo.
Khabib repudia bullying e quer mudar a "regra do jogo"
Khabib Nurmagomedov ataca trash-talking e promete "mudar o jogo" no UFC após confusão (Crédito: Reprodução/MMA Fighting)
Após todo o tumulto, Khabib abriu seu pronunciamento na coletiva de imprensa pedindo desculpas por suas atitudes. Porém, durante os cerca de três minutos que falou, foi enfático ao dizer que pretende "mudar a regra do jogo".
"Eu sou humano e não entendo como as pessoas podem falar sobre eu pular do octógono, quando ele fala da minha religião, do meu país, do meu pai. Ele veio para o Brooklyn e quebrou um ônibus, quase matou pessoas. Por que não falam disso?", questionou Khabib.
O atleta ainda fez questão de citar seu pai, que foi chamado de covarde por Conor durante uma "rodada de insultos" tradicional do irlandês: "meu pai me ensinou que devo sempre ser respeitoso. (…) Isso é um esporte de respeito. Não é trash-talking. Quero mudar este jogo. Não quero pessoas falando besteira sobre oponentes, sobre parentes, sobre religião. Você não pode falar de religião, de nação, isso para mim é muito importante."
As palavras de Khabib sobre o impacto deste tipo de postura para promoção de lutas podem ser comprovadas dentro do UFC e na vida real. Rose Namajunas, campeã peso palha da organização que já havia sofrido com as intensas provocações de sua ex-rival, Joanna Jedrzejczyk, a ponto de ter desabafado sobre os comentários da rival ainda no octógono após sua vitória, estava no ônibus que foi atacado por Conor.
Segundo seu treinador, Trevor Wittman, a situação afetou sua atleta, que tem histórico de violência familiar, a ponto de ela ficar afastada por um tempo dos treinos mesmo que ela não tenha ficado ferida pelos estilhaços de vidro da janela que quebrou.
Além disso, há de se levar em conta o reflexo destas atitudes na esfera social. Como um evento esportivo, é importante que o UFC estimule o respeito entre os atletas, uma vez que o bullying e o discurso de ódio estão ganhando cada vez mais força fora do âmbito esportivo.
Atletas muitas vezes são vistos por crianças, e até por adultos, como modelos a serem seguidos. E posturas como essa podem agravar, e muito, um problema que já é corriqueiro em todo o mundo. No Brasil, o presidente Michel Temer sancionou em maio uma alteração na lei para acrescentar o combate ao bullying nas escolas, evidenciando a preocupação com a questão.
Segundo dados do relatório elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), 150 milhões de estudantes entre 13 e 15 anos já foram vítimas de violência dentro ou fora do ambiente escolar. Ainda dentro deste recorte, pouco mais de um em cada três alunos já foi vítima de bullying no colégio, sendo que esta mesma proporção esteve envolvida em brigas corporais. Como registro, vale destacar que meninos e meninas têm a mesma chance de sofrer bullying, mas as meninas são mais propensas a serem vítimas de ofensas psicológicas, enquanto meninos sofrem violência física e ameaças.
Ainda segundo o estudo, as redes sociais complicam ainda mais o resultado de práticas como essa por conta da disseminação de conteúdo violento, ofensivo e humilhante. Se isso impacta dentro de redes sociais, imagine sendo transmitido ao vivo para todo o mundo e com ampla divulgação.
De acordo com o site norte-americano MMA Fighting, o UFC arrecadou US$ 17,2 milhões apenas com a bilheteria do evento, que ainda pode ser confirmado como o maior em número de vendas de pay-per-view na história da organização. Se parte da imprensa e do público repudia a forma que as lutas vêm sendo divulgadas, Dana White deve estar sorrindo de alegria com os resultados. Mesmo que eles tenham causado danos à imagem da empresa e do esporte.
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