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Na Grade do MMA

Há 20 anos, luta mais longa do UFC foi o começo do fim do vale-tudo

Maurício Dehò

07/04/2015 06h00

Veja os melhores momentos do combate

Em 7 de abril de 1995, Charlotte, nos Estados Unidos, recebeu a quinta edição do Ultimate Fighting Championship. E não foi apenas a inclusão de uma "superluta" com a aguardada revanche entre o já consagrado Royce Gracie e Ken Shamrock que ficou marcada na história do vale-tudo. O evento foi fundamental no que podemos considerar como o começo do fim do vale-tudo e sua evolução para o MMA. E quem concorda com isso são os próprios lutadores – veja mais abaixo o que Royce e Ken falaram ao blog sobre o UFC 5.

O MMA, com regras mais restritas e lutadores misturando artes, chegaria depois da semente plantada no duelo entre eles, o primeiro usando um limite de tempo no UFC, mas ainda assim o mais longo da história da organização.

Royce Gracie ficou com o rosto amassado por cabeçadas. Apesar da rivalidade, os lutadores se abraçaram após o empate, enquanto parte do público vaiava, e parte aplaudia

Royce Gracie ficou com o rosto amassado por cabeçadas. Apesar da rivalidade, os lutadores se abraçaram após o empate, enquanto parte do público vaiava, e parte aplaudia

A rivalidade de Royce e Shamrock data do primeiro UFC, quando o brasileiro lutou três vezes na mesma noite e, na última delas, precisou apenas de 57 segundos para finalizar o norte-americano e ser o primeiro campeão do evento. O reencontro foi o trunfo da quinta edição, mas eles não fariam outras lutas na noite, reservando a revanche para ser o ponto principal da noitada em Charlotte.

O polêmico limite de tempo implementado pela organização teve como pano de fundo problemão no UFC 4. Naquele evento, Royce fez a final com Dan Severn, e o combate durou 15min49s. O problema é que o espaço de pay-per-view comprado pelo Ultimate não bastou. O sinal foi cortado, e os espectadores não viram o triângulo dado por Royce, finalizando Severn. Portanto, o Ultimate não podiam se arriscar a comprometer os espectadores que estavam pagando para ver as lutas novamente.

Assim, quartas de final e semifinal do GP durariam 20 minutos, e a final, 30. A superluta de Royce e Ken teve 30 minutos de combate, mais uma "prorrogação". E o UFC ainda comprou uma hora a mais de transmissão. O curioso é que o cuidado não se fez necessário no fim. Os nove combates que precederam a superluta somaram apenas 17min15s, somados! O limite de tempo foi aplicado só à luta principal.

Para fechar a noite, foram 36min06s de um combate pra lá de amarrado. Ken Shamrock deitado em cima, Royce Grace segurando forte por baixo, e muito pouca ação, apesar de um soco em pé do norte-americano e algumas cabeçadas no chão deixarem o rosto do lutador de jiu-jítsu bastante castigado. O combate chegou a ser interrompido, com pouco mais de 30 minutos de luta. O árbitro "Big" John McCarthy anunciou então uma prorrogação. O desenrolar foi o mesmo de todo o restante da luta e, esgotados os cinco minutos finais, foi declarado o empate, já que não havia pontuação.

Royce x Shamrock: rivalidade viva em 2015

Todo esse entorno do combate entre Royce e Ken ainda gera discussão. Eles dizem que podem se encontrar tranquilamente hoje em dia, sem desentendimentos. Mas a verdade é que cada um ainda puxa a sardinha para o seu lado ao falar do empate e mesmo sobre a implantação do limite de tempo.

Shamrock, por exemplo, jura que a delimitação da duração do combate foi colocada para beneficiar Royce. "Eu não queria. Era uma vantagem para Royce. Quanto mais longe fosse, melhor para mim, que era mais forte, melhor condicionado. Eu estava preparado para lutar 3h. Mas, dois dias antes colocaram essa regra sem nem avisar. Tiveram muitas coisas ruins nos bastidores naqueles tempos, quando os Gracie controlavam o UFC", acusou ele, em entrevista ao blog por telefone, dizendo que Rorion protegia Royce.

Royce pensa exatamente o contrário. Também contrário ao limite de tempo, o brasileiro afirmou ao blog que o norte-americano se apegou à regra para segurar o empate e não perder.

"No UFC 1, o Ken veio para lutar, para me vencer. No UFC 5, ele veio para amarrar. Ele estava lutando contra o relógio, para acabar o tempo. Ele ficou me segurando o tempo todo. O único soco que me acertou foi em pé. Mesmo a pancada mais forte que ele pôde dar, não me fez nada", retrucou o brasileiro. "No UFC 1, ele veio lutar comigo e finalizei ele rápido."

Royce Gracie disse até que o pai de Shamrock, técnico do lutador, reclamou. "O pai dele ficava falando: 'faz alguma coisa, você veio para ficar segurando ele?'. Comigo é: eu dou a vantagem de peso, mas ele tem que me dar tempo. A luta sem tempo, ele não tem condição comigo. O que faltou para ganhar dele foi tempo. A estratégia dele foi jogar contra o relógio."

Falando em estratégia, outra polêmica de Shamrock ultimamente é dizer que ele inventou, neste combate, o ground and pound. O ataque no solo, com socos e cotoveladas da guarda, tem como pai reconhecido Mark Coleman, a partir do UFC 10. Mas o norte-americano diz que ele desenvolveu a técnica depois do UFC 1, para a revanche – e com a vantagem de poder usar cabeçadas à época.

"No UFC 1, foi uma total surpresa, eu não sabia o que Royce ia trazer. O quimono era a surpresa. Aquilo tirou o poder que eu tinha contra ele", conta Shamrock. "Na época, ninguém fazia o ground and pound. Então, desenvolvi uma técnica para evitar que ele me prendesse com o quimono. Em vez de me equiparar a ele na técnica, eu precisava derrotar sua guarda. Então, eu podia ficar por cima dele, prender seus quadris, fazer postura e golpear: corpo e cabeça, cansar o corpo e golpear, para tentar finalizar". Na verdade, Shamrock pouco atingiu Royce, e teve sucesso só com as cabeçadas – tanto que sua versão como "pai do ground and pound" costuma ser ignorada.

Relembre a finalização de Royce em Ken no UFC 1

Nisso eles concordam

Se Royce e Ken ainda rivalizam para tentar provar quem "venceu" aquele empate, eles concordam em outro assunto. Ambos são defensores da época do vale-tudo e gostariam de ver algo mais próximo dos primórdios do UFC, e não o atual MMA.

"Até o UFC 5, foi um negócio puro, um estilo de luta contra o outro. Depois, já não era mais isso, virou um atleta contra o outro", reclama Royce.

"Agora é entretenimento, não é mais aquele estilo puro", acrescenta Shamrock. "Principalmente com as luvas, que dificultaram para finalizar. Mas não tenho problemas com isso, é o progresso, é o que acontece quando se quer ser mais comercial. Mas muitas coisas são estúpidas. As regras são melhores para quem?".

20 anos depois, Royce Gracie está aposentado, tendo fechado seu cartel com 14 vitórias, duas derrotas e três empates. Seu último combate foi a vitória contra Kazushi Sakuraba em 2007, mas ele foi pego em um antidoping. Shamrock está na ativa. Com 28 vitórias, 15 derrotas e dois empates, ele se prepara para encarar Kimbo Slice no Bellator, aos 51 anos. Curiosamente, ambos estão longe do Ultimate, com Royce como garoto-propaganda do Bellator e Ken voltando a lutar justamente no mesmo evento.

Sobre o blog

Saiba o que acontece dentro e fora do octógono, relembre as grandes histórias e lutas que fizeram o vale-tudo se tornar o MMA. Aqui também será o espaço para entrevistas, análises, debates, polêmicas e tudo que faz do MMA o esporte que mais cresce no mundo.
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